terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Conto : Criaturas das Sombras



Na minha infância eu acreditava em monstros. Achava que mãos iam brotar de baixo da cama. As sombras se mexiam. Eu ouvia passos nos corredores. O cair da noite me aterrorizava. Meus pais, tolos, diziam que não havia nada. Eram besteiras da minha imaginação. Monstros não existem, eles diziam e esse era meu mantra inútil, pra aplacar o pânico.
Não sei se todas as crianças tiveram uma infância assim, assustadora. Quando crescemos os barulhos somem, as sombras viram apenas sombras e ninguém espreita na escuridão. É isso o que acontece com todos, ou deveria ser. Eu quero muito saber porque não foi assim comigo.
Meus pais, tão zelosos e compreensíveis me colocaram nesse lugar. Uma casa de repouso, ou manicômio, se preferir. Dizem que tenho esquizofrenia, que sou perigoso e vejo coisas que não existem.
Eles são os loucos. E uns malditos sortudos. Aqui as sombras são mais densas, e os gemidos dos mortos se misturam com o dos vivos. Os daqui médicos são ainda mais tenebrosos. Espetam e cortam a vontade. Abusam de algumas loucas e pensam que ninguém está vendo.
Um deles, o mais magro era o pior. Matou algumas pessoas aqui como se fossem animais no abate. Abusou de tantas mulheres que perdi a conta. Me cortou muito.
Eu disse que ele “era” o pior porque agora ele está morto. Ele errou em achar que eu estava dopado e em deixar um bisturi perto do meu alcance. A mesma faca que me fez sangrar incontáveis vezes abriu um buraco no pescoço dele e assim dei fim pra existência miserável desse verme. Seu sangue ofereci pras criaturas da sombra que observaram tudo sem interferir. Depois disso incendiei o manicômio. Do pó ao pó. Pena eu não ter conseguido fugir.
O curioso disso tudo é que eu posso tanto ser uma criança tendo um pesadelo longo e sombrio, quanto posso ser um louco metido em uma camisa de força em algum manicômio, ou posso ter mesmo morrido e agora sou um deles, vivendo nas sombras.
Ao menos posso observar meus pais dormindo tranquilos. Pena meu irmão menor estar entre eles, acordado, olhando nos meus olhos e chorando.


by:bb

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